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Opinião | Nadar na Piscina dos Pequenos

por Alexandra, em 07.06.17

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Título: Nadar na Piscina dos Pequenos

Autor: Golgona Anghel

Editora: Assírio & Alvim

 

Nadar na Piscina dos Pequenos ainda não tinha sido anunciado e eu já andava por aqui a pedinchar um novo livro de poesia de Golgona Anghel. Estava muito ansiosa por lê-lo e com as expectativas muito elevadas o que, neste caso, correu bastante bem. Golgona não desilude nem um pouco, pelo contrário, fez-me gostar ainda mais da sua escrita. Por muito que queira escrever sobre este livro, as palavras custam a sair, é preciso ler e sentir o que está escrito no papel e que, muitas vezes, fica gravado no nosso coração e na nossa mente. Resta-me aguardar pelo próximo.

 

Hoje vieram buscar-me cedo.

É a tal história, tiram-me do sono,

passam-me para a maca e

ninguém quer saber das minhas vontades.

Nem fui fazer chichi, nem me fizeram o buço.

Estou com o bordado da fronha estampado nas fuças

e, com este péssimo aspecto,

fazem-me desfilar pelos corredores cheios de gente

que acorda de madrugada

e se põe bonita para vir aqui tirar fotografias

a rins e pulmões.

Fora a vadiagem que só entra para aquecer os pés,

estou eu, feita bicho, amarrada a uma etiqueta,

como os cavalos da feira.

Por isso, puxo com os dois braços

uma fralda que encontro por perto

e enxugo o meu rosto pejado de medo,

porque tudo isto é mesmo uma merda,

mas depois melhora um pouco

quando me enchem de morfina

e me devolvem, à saída, o telemóvel.

 

 *

 

Sempre me pareceu um pouco cobarde

chamar sonho à morte,

dizer negros em vez de pretos,

tia em vez de sogra,

idosos em vez de velhos,

pessoas com rendimento mínimo

em vez de esfomeados, pobres, nós.

 

Deveria ser completamente proibido

ler amor onde está escrito Roma,

comer com o garfo quando se deve usar palitos.

Os dicionários têm razão.

Precisamos de mais definição.

Não muda nada adocicar a água dos afogados.

As metáforas podem até impressionar

mas não são nada práticas.

 

Olhem aqui a nossa senhora da verdade, o senhor director,

só figuras, só estilo:

todos trajados de fatinho,

e depois nadam na piscina dos pequenos.

 

Pontuação: 5/5

 

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Opinião | Manhã

por Alexandra, em 30.05.17

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Título: Manhã

Autor: Adília Lopes

Editora: Assírio & Alvim

 

Adília Lopes foi uma surpresa muito agradável, fiquei com vontade de ir a correr comprar Bandolim, tal a paixão.

 

No meu coração há um lugar especial para poetas e poetisas, no qual passei a incluir também Adília, à qual gostaria muito de dar, um dia, um abraço. Ficam as partes que mais gostei abaixo neste livro que pode consideraria um diário poético:

 

Escrever um poema
escavar uma toca

*

Palavras Caras

Em minha casa, detestávamos pessoas bem-falantes, palavras caras. De uma vez, apareceu a prima Maria Lucília a dizer já não sei porquê:
- Fiquei muito confrangida.
Passámos a chamar-lhe "a confrangida".
Sempre que aparecia alguém na televisão a declamar poesia ou a falar de poesia, desligávamos a televisão.

*

Chego à janela porque preciso de ar e de árvores. Ah, se não fosse esta velhinha janela onde me vou debruçar para ouvir a voz das cousas, eu não era a que sou.

*

Ler e Estudar

(...)
Entre os 15 e os 18 anos li o Em busca do tempo perdido todo em francês. Comprei na Buchholz. Tinha uma ideia infantil: achava que de volume para volume o francês de Proust seria mais difícil e eu podia não perceber. Só comprava um volume quando acabava de ler o volume anterior. Não tive dificuldades. Tinha o Petit Robert. Havia palavras que não vinham no Petit Robert. Não me afligi.
Aos 21 anos recorri a uma psicanalista estúpida. Contei-lhe que tinha lido o Em busca do tempo perdido. Ela disse-me: Ainda não perdeu muito tempo! As professoras e as psicanalistas não leram livros. Percebi isto tarde. Não vale a pena.
Não foi por estudar muito e por ler muito que adoeci dos nervos aos 21 anos, foi por viver num ambiente deprimente. O que me valeu foi ter estudado e lido muito. Estudar e ler é quase o melhor que há.

 

Pontuação: 4/5

 

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Opinião | Leite e Mel

por Alexandra, em 29.05.17

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Título: Leite e Mel

Autor: Rupi Kaur

Editora: Lua de Papel

 

Depois de ter lido 9 livros de poesia consecutivos, sendo este o décimo, classificar Leite e Mel torna-se uma tarefa árdua.

Achei a composição e construção frásica deste livro demasiado simples, até mesmo banais em alguns momentos, para o classificar de poesia. Antes de mais, devo salientar que se trata de um género que admiro muito, com o qual sou totalmente liberal, e custa-me bastante escrever que não consideraria, à partida, este livro como poesia. Acredito que a maior parte das pessoas irá sentir vontade de me apedrejar depois de ler isto, tal é o sucesso que tem tido, mas a verdade é que este livro dificilmente pode ser considerado poesia se estivermos habituados a lê-la com alguma regularidade, no meu caso, especialmente depois de ter lido 9 livros que estão a anos-luz deste em termos de qualidade de escrita.

Apesar do que escrevi anteriormente, há aspectos positivos neste livro e foram estes que fizeram com que o lesse até ao final. Há que reconhecer-lhe originalidade (e é aqui que posso conceder que seja apelidado de poesia, porque poesia é, também, originialidade). Está repleto de ilustrações muito bonitas, adequadas e em sintonia com os poemas com quem partilham, de forma muito harmoniosa, a página. Finalmente, uma nota positiva para as temáticas abordadas, gostei mais da primeira parte (são quatro no total) do livro. Depois achei-o demasiado repetitivo e muito cheio de frases feitas para o meu gosto.

 

Pontuação: 2/5

 

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Opinião | Ver no Escuro

por Alexandra, em 15.05.17

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 Título: Ver no Escuro

Autor: Cláudia R. Sampaio

Editora: Tinta-da-China

 

A poesia de Claúdia R. Sampaio é uma daquelas que me faz desejar conseguir colocar por escrito aquilo que sinto, se não da mesma forma, de forma muito semelhante à sua. A prova disso é que não consigo destacar apenas um poema, abaixo ficam os meus três favoritos deste Ver no Escuro, numa edição muito bonita e cuidada da Tinta-da-China. Uma poetisa para acompanhar.

 

Uma vez quiseram-me louca, a arder
e eu ardi com a discrição de
um fogo posto
porque a cura vai na mesma direcção
que a nossa febre

 

Ateei-me como um relâmpago inesperado
à luz do dia
Eu parecia uma basílica em chamas
de altar por estrear, a arder sozinha

 

Sempre me recusei a arder como os outros

 

Ardam-se mais à esquerda ou mais à direita
mais a vento de sul ou de norte,
mas labaredem-se, sejam fogos que ardem!

 

Porque pior que a desdita loucura
é toda a gente andar em brasa
mas ninguém chegar a incêndio

 

E no fim são todos cinza

 

*

 

É agora, que te foste embora, o momento
em que nos conhecemos melhor.
É agora, entre este espaço vazio que
vai da minha boca à tua, que está toda
a verdade desembocada em glória.
Aqui estou eu sentada a perder-te.
Aqui estou eu a ser-nos aos dois enquanto
ainda é de noite, a adiar que seja amanhã
quando vou rebentar como as lâmpadas.
Aqui estou eu a escrever enquanto não
encontro o meu corpo que foi contigo
atirado ao teu ombro em casaco pesado
sem etiqueta
por favor não engomes.

 

Depois não seremos mais nada para além
deste lamber de chão.
Seremos apenas passado recente,
passado passado, passado passadíssimo
uma folga chata que ficou mal esticada.
Depois não haverá o teu rasto entre as
portas, nem o eco do teu cheiro, nem o teu
estremecimento nocturno que era também o meu.

 

E eu tenho tanta pena de estar aqui a perder-te
porque o meu amor não morre quando quero
o meu amor é Jesus ressuscitado a cada prego
de tão novo como uma metáfora
atinado como um rebanho quente
erguido em dedos longos,
desdobrado.

 

E agora sou uma esponja e encolho
porque ainda estamos a reduzir-nos
em violentíssimo eco
Adeus, eus, eus

 

Mas amanhã não.
Amanhã não haverá retorno nem cola que
nos junte as vidas
porque o amor é agora, neste preciso instante
em que levam o lixo, em que a minha cara
encolhe e se enruga em sal, em que sou feia,
em que não estás.

 

O amor é agora, mesmo quando somos as
palavras esmagadas contra os vidros e a
violência lindíssima de dois corpos mirrados
de costas voltadas.

 

Amanhã não.
Amanhã celebro em brados cegos o
futuro calmo da secura de um rio.

 

*

 

Passei todo aquele poema a viver.
Lambi as palavras desde a folha ao início de
mim, palavras presas na curva dos olhos
por onde desceu depois um verbo.

 

Vivi repetidamente.

 

E dentro desta anáfora descobri que um
momento nunca é igual a outro.
Como um poema.
Como eu, que nunca sou igual
a mim própria.
Às vezes sou eu sem ser.
Às vezes morro erguida para que me
desfiem e vistam.

 

Pontuação: 4/5

 

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Opinião | Jóquei

por Alexandra, em 11.05.17

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Título: Jóquei

Autor: Matilde Campilho

Editora: Tinta-da-China

 

Não fiquei particularmente fascinada com a poesia de Matilde Campilho. Senti muita dificuldade em compreender o que pretende transmitir com o que escreve o que invalida, à partida, uma conexão mais profunda com Jóquei. Ainda assim, gostei bastante de algumas coisas neste livro.

 

Curiosamente, a parte que mais gostei era prosa poética: Notícias escrevinhadas na beira da estrada que começa da seguinte forma: Não sou de choro fácil a não ser quando descubro qualquer coisa muito interessante sobre ácido desoxirribonucleico.

 

Os meus poemas preferidos foram Principado Extinto, demasiado longo para colocar aqui, e o que deixo abaixo:

 

Two-lane blacktop

 

Aprenderei a amar as casas
quando entender que as casas
são feitas de gente
que foi feita por gente
e que contém em si a possibilidade
de fazer gente.

 

Pontuação: 3/5

 

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Opinião | Anunciações

por Alexandra, em 09.05.17

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Título: Anunciações

Autor: Maria Teresa Horta

Editora: Dom Quixote

 

Não sendo o género de poesia que estou habituada a ler, é mais do que evidente a qualidade presente ao longo deste romance escrito em verso, relatando sucessivos encontros entre Maria e o anjo Gabriel, sob uma perspectiva tremendamente interessante.

Anunciações está escrito de uma forma tão cuidada, bela e poética, que se torna impossível não nos envolvermos fortemente com a história que nos é contada e com a poesia de Maria Teresa Horta.

 

Espelho

 

Olho a ausência

da minha
imagem no espelho

 

no seu abismo perverso

 

O nada absoluto
onde a luz
é o excesso

 

Pontuação: 4/5

 

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Título: Como Uma Flor de Plástico Na Montra de Um Talho

Autor: Golgona Anghel

Editora: Assírio & Alvim

 

A escrita de Golgona Anghel aliada às temáticas que aborda deixam-me à beira do delírio porque fico, muitas vezes, cheia de vontade de ter escrito alguns dos seus poemas (a maioria). Quando a leio, transporto-me imediatamente para o interior dos seus poemas, numa busca incessante pelo que está escrito nas suas linhas e entrelinhas. Não sendo o meu preferido dos dois, é quase tão bom como Vim Porque Me Pagavam. Se tiverem oportunidade de ler a poesia de Golgona Anghel não a percam, depois contem-me como foi.

 

TUDO O QUE NÃO É LITERATURA ABORRECE-ME -
queixava-se um checo muito conhecido.
As nossas vidas, aliás, deviam acontecer sempre no futuro,
onde, no fundo, sucedem todos os romances.
O nosso estilo teria a nitidez dos tratados científicos
e a força da descrição de uma batalha -
embora os críticos tentassem
transformar tudo isto num relatório criminal
ou no argumento para um filme de Domingo à tarde.
O Eduardo Prado Coelho era capaz de fazer isso.

Mas é preciso fugir ao máximo dos museus de cera,
perseguir os funcionários públicos do senso comum,
evitar que as mulheres feias tenham filhos.
Aliás, é urgente matar toda a gente que tem fome.
Por isso, não me venhas com xaropes e bancos alimentares.
Não me trates as doenças.
Não me levantes a mão.
Vem, vem apenas,
come as you are
- embora seja tarde.

Vem para esta sala de baile com portas cheias de musgo
e vozes molhadas em tabaco.
Vem passar uma noite nos seus cantos húmidos
onde coronéis e generais
levantavam as saias à história.

Já tirámos os cavalos,
já limpámos as trincheiras.

Vem ralar na minha pele arrepiada
a cor pálida da lua
como se fosse a casca de um limão.

Vem sem falta -
o palco está vazio,
a sala cheia.
Com o passo lento das derrotas,
um macaco vestido de Shakespeare
conduzir-te-á até ao último acto.

 

Pontuação: 4

 

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Opinião | Vim Porque Me Pagavam

por Alexandra, em 25.04.17

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 Título: Vim Porque Me Pagavam

Autor: Golgona Anghel

Editora: Mariposa Azual

 

Golgona Anghel é uma das minhas poetisas preferidas e devo confessar que, tendo relido ambos os seus livros de poesia, já estou a ressacar por mais um livro seu. É incrível como uma mulher nascida na Roménia escreve tão bem em português, recomendo vivamente.

 

Na sala de leitura da insónia,
quando o carro do lixo é
a única resposta ao silêncio
e cada instante é um amante
que matamos num abrir e fechar de pernas,
acompanho em eco, até à estação,
os passos apressados das empregadas de limpeza.
Para elas, não há inferno. Simplesmente,
evitam sonhar.
Para nós, o autocarro 738 irá sempre ao Calvário,
mesmo se pago o bilhete.

No horizonte lento mas seguro de uma utopia light,
passo o dia a vender o meu terceiro mundo
em colóquios e palestras internacionais.
Mostro a toda a gente o canino de ouro,
a minha pele de girafa,
a bibliografia em francês.

Escrevo a palavra vazio
depois da palavra espera.

Pouso as mãos sobre os joelhos cansados.

Limpa
mas mal vestida
- olhai -
sou o novo modelo para o fracasso.

 

Pontuação: 5

 

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Títulos: Curso Intensivo de Jardinagem e Sorte de Principiante

Autor: Margarida Ferra

Editora: & etc

 

As minhas opiniões sobre livros de poesia resumem-se, na maioria das vezes, a simplesmente transcrever um ou alguns dos meus poemas preferidos. Já tinha lido estes dois livros de Margarida Ferra há alguns anos atrás e relê-los foi uma experiência muito agradável. Não entram para os preferidos da vida porque não me deixam o coração a palpitar de emoção, mas há alguns poemas que andam muito perto disso. Ficam os meus preferidos abaixo, por ordem.

 

Sala da frente

Do sofá ainda tão gasto

entre as duas portas,

agora parecem mais:

todos no chão da sala,

volumes em resma,

tamanhos variáveis,

desalinhados,

no lugar dos tacos regulares,

escondem-nos.

 

Os livros todos, o chão da sala,

pequenas torres impressas,

legos impossíveis:

os que foram

desconhecidos nesta morada,

as dádivas secretas,

o sítio das palavras que não regressaram.

No canto superior direito,

o índice dos teus dedos,

a tua sombra em tantas páginas.

 

Morada

Habitamos

uma casa quando

a sombra dos nossos gestos

fica mesmo depois

de fecharmos a porta.

 

Pontuação: 3

 

*

 

7.

Alimentar animais:

estender a mão aos pássaros,
passar incólume pelas pessoas

ainda alguém que pouse
para o nosso cuidado gratuito
sem alergias, nojo ou lágrimas.

 

20. Não te iludas

Não te iludas, não te desiludas,
não há ninguém do outro lado
da linha, não precisas de bateria
para te ligarem,
nunca serás tu a pagar rodadas,
és invisível e não vale a pena
tentares gostar de vinho.
Não te iludas,
nada te tenta como uma romã antes
do tempo delas, frésias em dezembro
podem ser comoventes
mas não são frésias ou não é dezembro,
ninguém tas estende.
Se arrancam pétalas dos cabelos das crianças,
não são tuas. Não te iludas,
acende a luz. 

 

Pontuação: 3

 

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