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Opinião | A Gorda

por Alexandra, em 21.11.16

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Título: A Gorda

Autor: Isabela Figueiredo

Editora: Caminho

 

A Gorda, o primeiro romance de Isabela Figueiredo, é, como já adivinhava, uma pequena pérola no actual panorama editorial português. Isabela escreve com uma crueza fascinante, dando voz a Maria Luísa, mulher que nos arrebata e desconcerta ao longo do relato que faz da sua vida. Apesar desta crueza, que não é mais do que o fruto da forma de ser de Maria Luísa, prática, desenrascada, senhora de si, conseguiu fazer-me emocionar genuinamente e, sinceramente, não me consigo recordar da última vez em que tal coisa me aconteceu.

 

É um romance sobre as dificuldades que esta mulher, gorda, encara ao longo de diversos períodos da sua vida, sendo humilhada, traída, machucada, mas é também um romance sobre a vida e a morte, sobre o sofrimento, independentemente da sua causa.

Eles riem enquanto caminho, eles falam sozinhos, "ó orca, grande fúria dos mares, já comeste hoje alguém?!" Riem. Divertem-se, pueris e crus. Falam sozinhos. Mas a baleia ouve. Não querendo, as frases ficam inscritas no mesmo cérebro que as rejeita. A baleia. A orca. O monstro.

 

Eu era uma miséria de mulher, um torpor, uma dor que já nem dói. Um farrapo de lã que já não aquece. Já não pretendia esconder-me do que tinha sido e fingir uma perfeição que não me assentava. Quebrara-me de novo em fragmentos, como se quebra o vidro e as pessoas. E de cada vez que me quebrava não era possível voltar ao que era antes.

 

É também uma excelente retrospectiva do que aconteceu aos portugueses que tinham a sua vida construída em países africanos de domínio português, antes do 25 de Abril, e que se viram depois obrigados a deixar a sua morada, mudando-se de armas e bagagens (os que tiveram sorte) para a Metrópole. 

Nesse dia percebemos que a nossa casa na Matola jamais caberia na de Almada. Aquela não podia repetir-se. Não era possível reconstituir o cenário do crime. Já não se tratava apenas de uma ideia e de um discurso sobre a perda do Império na terra e no céu, mas da sua materialização.

 

Ao longo das várias divisões da casa na Cova da Piedade, assistimos a vários episódios da vida de Maria Luísa, relacionando-se com a mãe, o pai, Tony (Antónia) e David, para mim, os mais importantes. Também achei muito interessantes todas as referências políticas, sociais e tecnológicas que foram incluídas ao longo dos intervalos temporais que se iam descrevendo em cada uma das divisões da casa, já que a história não segue uma trajectória temporal directa.

Eu creio nas pessoas. Ela desconfia. Ela é sábia, mas eu julgo saber mais. Fui à escola, aprendi línguas, literatura e história. Sou deste tempo, e ela vive presa a superstições. Ela é paciente e firme; eu, arrebatada e arrogante.

 

Recomendo, sem qualquer dúvida, a sua leitura.

 

Pontuação: 4

 

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Estou a Ler: A Gorda

por Alexandra, em 17.11.16

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Este foi, para mim, o típico livro que, assim que começam a surgir notícias divulgando a sua sinopse e anunciando que o seu lançamento está para breve, sinto de imediato a necessidade de o ter nas minhas mãos, de saborear a sua escrita, os seus detalhes, adivinhando que será um pequeno tesouro num oceano vasto de obras e escritores. Comprei-o no fim-de-semana passado e comecei a ler esta semana para o projecto Ler os Nossos e para o desafio #leiamulheres de que tanto gosto.

 

Após mais de 100 páginas lidas, posso afirmar que está a corresponder às expectativas. Isabela Figueiredo escreve de uma forma muito crua, penso que seja este o termo mais adequado, algo que sinto falta de ler mais vezes. Maria Luísa dá a voz a este romance, onde narra a sua vida, começando por nos apresentar a porta de entrada (presente), após ter feito uma gastrectomia que a fez perder quarenta quilos. Deixou de ser gorda, portanto. Depois de feitas as apresentações, prossegue para as restantes divisões da sua casa (literalmente) recuando no tempo, para 1975, quando veio de Moçambique, sem os pais, estudar para um colégio na Lourinhã e seguindo daí em diante. Maria Luísa mostra-nos que, apesar de ser gorda e ter sofrido com isso, era muito mais do que um mero adjectivo. Estou a lê-lo devagarinho, de modo a desfrutar de todos os seus pormenores.

Sem escrita não havia uma casa onde chegar, tirar o casaco, pendurá-lo, acarinhar a cadela, levá-la à rua, regressar, alimentá-la, sentar-me no sofá e apreciar o gesto. Podia viver sem tomar banho, sem beijos, mas sem escrita não. Ninguém entendia isto, e viravam-me as costas como se referisse uma mania, um vício de gente abastada que se pode dar a luxos. "Estás maluca."

 

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