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Título: Uma Ideia da Índia
Autor: Alberto Moravia
Editora: Tinta-da-China
Uma Ideia da Índia foi publicado inicialmente como um conjunto de artigos para o jornal Corriere della Sera, posteriormente reunidos num livro. Em 2008, foi editado em português, nesta edição primorosa da Tinta-da-China (colecção de Viagens).
Este livro resultou de uma viagem de um mês e meio, em 1961, na qual Moravia percorreu a Índia. Apesar de ser óbvio que esta visão tem 55 anos, a forma como Moravia expõe vários aspectos da Índia pode considerar-se transversal até aos nossos dias, com algumas mudanças aqui e ali, acredito eu, mas com uma essência muito semelhante à que Moravia testemunhou naquela época.
Deverias senti-la, lá longe, a oriente, para lá do Mediterrâneo, da Ásia Menor, da Arábia, da Pérsia, do Afeganistão, lá longe, entre o Mar da Arábia e o Oceano Índico, onde está e te aguarda.
A pobreza, a religião, a morte e a colonialização são os pontos-chave deste livro, sendo descritos com uma maestria quase próxima da perfeição, de forma bela e dramática, algo a que é impossível ficar indiferente durante a leitura deste livro. A prova disso é que marquei imensas passagens e tive alguma dificuldade em escolhê-las para esta opinião, que já estou a adivinhar que se vá tornar bastante extensa.
Para o viajante ocidental dotado de sensibilidade, a Índia significa dois traumas: o primeiro é aquele que é provocado pelo encontro com uma pobreza enferma e frenética, de tipo medieval, que no Ocidente desapareceu há alguns séculos; o segundo resulta do choque com a religião politeísta de fundo naturalista, também ela morta na Europa há séculos, e na Índia, pelo contrário, ainda floresce.
A fogueira deverá arder durante quatro horas ou seis, e no final a cinza será espalhada no Ganges (...). Estamos dez minutos ou vinte, ou meia hora, a olhar para aqueles homens e para aquelas mulheres que têm os olhos fixos na fogueira em que arde o seu defunto, e por fim compreendemos que esta indiferença tão estóica não é a da insensibilidade e da frieza, mas sim a da religião, que considera a morte uma simples mudança de vestuário ou de invólucro. Naquela fogueira, de acordo com um frase notória, não se consome uma pessoa única e irrepetível, mas sim um vestido coçado, que já não prestava, uma pele velha que se abandona por outra nova.
Para Moravia, os conflitos religiosos entre a religião bramânica e a muçulmana, o sistema social das castas que apesar de, à data da visita de Moravia à Índia, já se encontrarem legalmente abolidas, continuavam a sobreviver por toda a parte, apegadas aos costumes e às tradições indianas, juntamente com a colonialização, especialmente a britânica, criticada em diversos momentos do livro, são os principais focos problemáticos da Índia, e que tornam aquele país tão peculiar.
A diferença entre a religião muçulmana e a bramânica não podia ser maior: a primeira é, a um tempo, ética, social e política; a segunda, cósmica, filosófica e metafísica.
O sistema das castas, pelo contrário, foi provavelmente o único que teve como raiz o princípio da discriminação racial, ou seja, um princípio que negava em absoluto ao homem qualquer possibilidade de desenvolvimento livre e autónomo.
Os colonialismos português, francês e holandês estão ali presentes para testemunhar, com os seus vestígios transitórios, que não se conquista a Índia, isto é, não se transforma a Índia se não nos deixarmos transformar por ela. Por outras palavras, o simples colonialismo não basta, é necessária a simbiose.
Em jeito de conclusão, considero que Uma Ideia da Índia deveria ser lido por todos os que procuram saber mais sobre a Índia, para aqueles que sonham um dia ir até lá, e até mesmo para aqueles que à partida não nutrem grande tipo de interesse pela Índia. Provavelmente irão desenvolvê-lo ao longo da leitura deste livro.
A Índia é um continente em que são dignos de interesse, sobretudo, os aspectos humanos. Desse ponto de vista, a Índia é com certeza a nação mais original de toda a Ásia, pelo menos para nós, europeus, que logo tentamos descobrir semelhanças e afinidades que procuraremos em vão na China ou no Japão.
Diríamos mesmo que não se pode compreender por completo a civilização europeia se não se conhecer a Índia. Mas a Índia vista com os olhos do turista ignorante até pode ser uma desilução.
Pontuação: 4/5