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Título: Os Passos em Volta
Autor: Herberto Helder
Editora: Assírio & Alvim
Decidir que pontuação dar a este livro foi um processo demorado, pelo que escrever uma opinião sobre o mesmo, tornou-se também uma árdua tarefa. Não é um livro fácil, mas contém partes incrivelmente belas. Os Passos em Volta é um livro que claramente ou se ama ou se odeia, não há lugar para meios-termos.
Na revista Estante da Fnac (a partir da qual escolhi este livro para ler durante o Projecto Ler os Nossos, tal como já tinha referido aqui), este livro é descrito como estando entre o conto, o romance e o discurso autobiográfico, num livro que espelha o homem-poeta com um tom reflectivo de quem procura respostas. Referem também que Herberto Helder foi um dos pioneiros do surrealismo em Portugal e julgo que foi este o factor que determinou que a minha experiência não fosse completamente perfeita. Como já tinha referido no post sobre as minhas primeiras impressões sobre o livro, os primeiros capítulos/contos foram-me difíceis de interiorizar e compreender, acredito que sobretudo devido a esta componente mais surreal. Por melhor que fossem as minhas intenções e fascínio pelos restantes capítulos, senti um certo desapontamento nas partes em que não encontrei um sentido, mas assumo-o como uma lacuna minha, enquanto leitora.
Falando agora no que me deixou de coração cheio ao ler este livro: há algumas passagens e até mesmo contos inteiros deliciosamente perfeitos. Há qualquer coisa de magnético na escrita de Herberto Helder, que penso não ter conseguido captar quando li a sua poesia (uma ínfima parte, diga-se, pois até agora li apenas Servidões, publicado em 2013). Para além de alguns capítulos da primeira metade deste livro, fascinaram-me sobretudo os últimos (o tal discurso autobiográfico que citei acima), o que me fez ficar tentada a atribuir-lhe as cinco estrelas. Puro deleite.
Annemarie sentou-se à minha mesa. Vi logo o tamanho da sua solidão: tinha o tamanho do mundo. Ela era a criatura mais só do mundo. E a sua história apareceu - simples, tenebrosa - entre as nossas duas cervejas. Todas as histórias pessoais são simples e tenebrosas. Não me comovi. Comovido já eu estava: com as coisas, comigo, com a chuva sobre a cidade. Talvez houvesse uma irónica alegoria em nós dois ali sentados diante dos belos copos frios, compreendendo ambos tão facilmente o que nos acontecia e iria acontecer que não tínhamos pressa. Poderíamos morrer ali mesmo. Esperávamos.
Sim, deite mais brandy. Sou um bêbado, claro. O que esperava? Que fosse um apóstolo, um assassino, um político, um anjo? Não, sou apenas um bêbado. Mais dois ou três dedos da bebida impura, como você diz nessa tão pitoresca linguagem moral. Não estou a pedir-lhe o amor ou a glória. É brandy e, repare, brandy de terceira categoria. Não é amor, mesmo de terceira categoria. Nem a glória de terceira categoria, coisa suficiente para nos sentirmos muito perto de Deus. Também já tive o amor. O que não teve a gente neste universo tão pródigo? Era arrebatador.
Contudo, não consigo fazer um balanço completamente perfeito desta leitura para lhe atribuir a pontuação máxima. Posso sim dizer que esteve bastante perto disso e que se fosse mais dada ao surrealismo, seriam cinco estrelas, sem qualquer dúvida. Não é um livro que recomende a todos os leitores, pois julgo que é necessária alguma maturidade para o ler, coisa que eu própria ainda não considero que tenha em abundância.
Pontuação: 4,5/5 (não gosto de dar meias-estrelas, mas neste caso é mesmo necessário)