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Título: A Vida no Campo
Autor: Joel Neto
Editora: Marcador
A minha curiosidade a respeito de Joel Neto, nascido na ilha Terceira, iniciou-se mal comecei a ler críticas maravilhosas sobre o seu romance Arquipélago e, mais tarde, também sobre A Vida no Campo. Claro que as minhas artérias, veias e capilares açorianos começaram logo a pulsar a um ritmo alucinante face à possibilidade de me reencontrar no que Joel Neto passava para o papel. Ainda não tendo lido Arquipélago, mas terminada a leitura de A Vida no Campo, sei que comecei pela obra certa. Esta foi a abordagem ideal à escrita de Joel Neto, que tanto me fez recordar e emocionar.
Ao longo de quatro estações, Outono, Inverno, Primavera e Verão, Joel Neto mostra-nos como foi regressar à ilha onde nasceu e à casa onde passou os primeiros anos da sua vida, até vir estudar para Lisboa, embora, na altura em que começa este livro-diário, Joel já se encontre há cerca de dois anos a viver na ilha Terceira com a mulher Catarina, o cão Melville e, mais tarde, a cadela Jasmim.
Tinha acabado de chegar, ao fim de duas décadas de viagem. Nunca deixara de comer alcatra (...) mas comê-la na cozinha da infância, servida desta vez não a um filho de visita mas a um filho regressado, foi como começar de novo. Sabia-me a terramotos e a redenção.
Em A Vida no Campo fazemos uma visita à infância, adolescência e início da vida adulta do escritor, ao mesmo tempo que nos são relatados episódios do seu dia-a-dia, essencialmente no Lugar dos Dois Caminhos, na Terra Chã, e as relações que mantém com as gentes da terra. Gostei especialmente dos relatos da magnífica relação que teve com o seu avô açoriano (muito especial para mim, que não cheguei a conhecer o meu). Dei por mim, diversas vezes, a deixar cair umas lágrimas aqui, outras acolá, perante a magnífica experiência que Joel Neto me proporcionou ao regressar a uma ilha que não a minha, mas, no fundo, à terra onde pertenci e com a qual me sentia profundamente desligada.
Na cidade, receber o carteiro é um incómodo. Uma pessoa tem de levantar-se da cadeira, para abrir a porta, e já é uma maçada. Aqui há sempre uma espera, uma suspensão no tempo - uma expectativa. Fazem-se conjecturas sobre a hora em que o carteiro chegará. Cultivam-se sonhos quanto ao dia em que trará a encomenda. Eu vejo nisso uma beleza.
Uma casa na aldeia está sempre em obras porque está sempre em risco. A natureza vem por ela dentro. A hera trepa as paredes. O bicho-sapateiro invade-a por baixo das portas. A humidade e o caruncho corroem-na devagar, para mais nestas ilhas. Uma casa na aldeia está sempre em obras porque essa é a sua maneira de sobreviver. A nossa. Habitamos um território de fronteira, e há poucas coisas tão viciantes como essa.
Não é que às vezes não haja estragos. Mas, como sempre, este povo acordará no dia seguinte e olhará para o que estiver desabado e reconstruirá aquilo que tiver de ser reconstruído e cozinhará uma alcatra para o jantar, que comerá a rir.
Achando de antemão que os açorianos irão ligar-se como ninguém a A Vida no Campo (sem qualquer pretensiosismo, só um bocadinho, vá), acredito que qualquer pessoa que já tenha tido algum contacto com a vida rural e/ou insular se irá agarrar com força a este livro e guardá-lo com carinho durante muito e muito tempo. Os restantes, bem, esses ficarão com vontade de ter contacto com a vida no campo o mais brevemente possível.
Pontuação: 5