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Título: Manhã
Autor: Adília Lopes
Editora: Assírio & Alvim
Adília Lopes foi uma surpresa muito agradável, fiquei com vontade de ir a correr comprar Bandolim, tal a paixão.
No meu coração há um lugar especial para poetas e poetisas, no qual passei a incluir também Adília, à qual gostaria muito de dar, um dia, um abraço. Ficam as partes que mais gostei abaixo neste livro que pode consideraria um diário poético:
Escrever um poema
escavar uma toca
*
Palavras Caras
Em minha casa, detestávamos pessoas bem-falantes, palavras caras. De uma vez, apareceu a prima Maria Lucília a dizer já não sei porquê:
- Fiquei muito confrangida.
Passámos a chamar-lhe "a confrangida".
Sempre que aparecia alguém na televisão a declamar poesia ou a falar de poesia, desligávamos a televisão.
*
Chego à janela porque preciso de ar e de árvores. Ah, se não fosse esta velhinha janela onde me vou debruçar para ouvir a voz das cousas, eu não era a que sou.
*
Ler e Estudar
(...)
Entre os 15 e os 18 anos li o Em busca do tempo perdido todo em francês. Comprei na Buchholz. Tinha uma ideia infantil: achava que de volume para volume o francês de Proust seria mais difícil e eu podia não perceber. Só comprava um volume quando acabava de ler o volume anterior. Não tive dificuldades. Tinha o Petit Robert. Havia palavras que não vinham no Petit Robert. Não me afligi.
Aos 21 anos recorri a uma psicanalista estúpida. Contei-lhe que tinha lido o Em busca do tempo perdido. Ela disse-me: Ainda não perdeu muito tempo! As professoras e as psicanalistas não leram livros. Percebi isto tarde. Não vale a pena.
Não foi por estudar muito e por ler muito que adoeci dos nervos aos 21 anos, foi por viver num ambiente deprimente. O que me valeu foi ter estudado e lido muito. Estudar e ler é quase o melhor que há.
Pontuação: 4/5
Título: Leite e Mel
Autor: Rupi Kaur
Editora: Lua de Papel
Depois de ter lido 9 livros de poesia consecutivos, sendo este o décimo, classificar Leite e Mel torna-se uma tarefa árdua.
Achei a composição e construção frásica deste livro demasiado simples, até mesmo banais em alguns momentos, para o classificar de poesia. Antes de mais, devo salientar que se trata de um género que admiro muito, com o qual sou totalmente liberal, e custa-me bastante escrever que não consideraria, à partida, este livro como poesia. Acredito que a maior parte das pessoas irá sentir vontade de me apedrejar depois de ler isto, tal é o sucesso que tem tido, mas a verdade é que este livro dificilmente pode ser considerado poesia se estivermos habituados a lê-la com alguma regularidade, no meu caso, especialmente depois de ter lido 9 livros que estão a anos-luz deste em termos de qualidade de escrita.
Apesar do que escrevi anteriormente, há aspectos positivos neste livro e foram estes que fizeram com que o lesse até ao final. Há que reconhecer-lhe originalidade (e é aqui que posso conceder que seja apelidado de poesia, porque poesia é, também, originialidade). Está repleto de ilustrações muito bonitas, adequadas e em sintonia com os poemas com quem partilham, de forma muito harmoniosa, a página. Finalmente, uma nota positiva para as temáticas abordadas, gostei mais da primeira parte (são quatro no total) do livro. Depois achei-o demasiado repetitivo e muito cheio de frases feitas para o meu gosto.
Pontuação: 2/5
Título: A Contraluz
Autor: Rachel Cusk
Editora: Quetzal
Descobrira, igualmente, que a doença lhe permitia olhar para a sua vida, e para as pessoas que tomavam parte nela, com maior objectividade. Compreendeu que não estava tão ligada a estas pessoas como julgara, especialmente ao filho, pelo qual, desde o instante do seu nascimento, experimentara uma constante e imensa preocupação, vendo-o como um caso excecional de sensibilidade e vulnerabilidade, até ao ponto de ser incapaz - ela percebia-o agora - de o deixar sozinho um minuto que fosse. Ao regressar ao mundo após a sua doença, o filho pareceu-lhe, se não um estranho, ainda assim dolorosamente menos ligado a si por cada um dos filamentos do seu ser. Ainda o amava, claro, mas já não o via, e à sua vida, como uma coisa que teria de trabalhar até ficar perfeita.
Título: Ver no Escuro
Autor: Cláudia R. Sampaio
Editora: Tinta-da-China
A poesia de Claúdia R. Sampaio é uma daquelas que me faz desejar conseguir colocar por escrito aquilo que sinto, se não da mesma forma, de forma muito semelhante à sua. A prova disso é que não consigo destacar apenas um poema, abaixo ficam os meus três favoritos deste Ver no Escuro, numa edição muito bonita e cuidada da Tinta-da-China. Uma poetisa para acompanhar.
Uma vez quiseram-me louca, a arder
e eu ardi com a discrição de
um fogo posto
porque a cura vai na mesma direcção
que a nossa febre
Ateei-me como um relâmpago inesperado
à luz do dia
Eu parecia uma basílica em chamas
de altar por estrear, a arder sozinha
Sempre me recusei a arder como os outros
Ardam-se mais à esquerda ou mais à direita
mais a vento de sul ou de norte,
mas labaredem-se, sejam fogos que ardem!
Porque pior que a desdita loucura
é toda a gente andar em brasa
mas ninguém chegar a incêndio
E no fim são todos cinza
*
É agora, que te foste embora, o momento
em que nos conhecemos melhor.
É agora, entre este espaço vazio que
vai da minha boca à tua, que está toda
a verdade desembocada em glória.
Aqui estou eu sentada a perder-te.
Aqui estou eu a ser-nos aos dois enquanto
ainda é de noite, a adiar que seja amanhã
quando vou rebentar como as lâmpadas.
Aqui estou eu a escrever enquanto não
encontro o meu corpo que foi contigo
atirado ao teu ombro em casaco pesado
sem etiqueta
por favor não engomes.
Depois não seremos mais nada para além
deste lamber de chão.
Seremos apenas passado recente,
passado passado, passado passadíssimo
uma folga chata que ficou mal esticada.
Depois não haverá o teu rasto entre as
portas, nem o eco do teu cheiro, nem o teu
estremecimento nocturno que era também o meu.
E eu tenho tanta pena de estar aqui a perder-te
porque o meu amor não morre quando quero
o meu amor é Jesus ressuscitado a cada prego
de tão novo como uma metáfora
atinado como um rebanho quente
erguido em dedos longos,
desdobrado.
E agora sou uma esponja e encolho
porque ainda estamos a reduzir-nos
em violentíssimo eco
Adeus, eus, eus
Mas amanhã não.
Amanhã não haverá retorno nem cola que
nos junte as vidas
porque o amor é agora, neste preciso instante
em que levam o lixo, em que a minha cara
encolhe e se enruga em sal, em que sou feia,
em que não estás.
O amor é agora, mesmo quando somos as
palavras esmagadas contra os vidros e a
violência lindíssima de dois corpos mirrados
de costas voltadas.
Amanhã não.
Amanhã celebro em brados cegos o
futuro calmo da secura de um rio.
*
Passei todo aquele poema a viver.
Lambi as palavras desde a folha ao início de
mim, palavras presas na curva dos olhos
por onde desceu depois um verbo.
Vivi repetidamente.
E dentro desta anáfora descobri que um
momento nunca é igual a outro.
Como um poema.
Como eu, que nunca sou igual
a mim própria.
Às vezes sou eu sem ser.
Às vezes morro erguida para que me
desfiem e vistam.
Pontuação: 4/5
Título: Jóquei
Autor: Matilde Campilho
Editora: Tinta-da-China
Não fiquei particularmente fascinada com a poesia de Matilde Campilho. Senti muita dificuldade em compreender o que pretende transmitir com o que escreve o que invalida, à partida, uma conexão mais profunda com Jóquei. Ainda assim, gostei bastante de algumas coisas neste livro.
Curiosamente, a parte que mais gostei era prosa poética: Notícias escrevinhadas na beira da estrada que começa da seguinte forma: Não sou de choro fácil a não ser quando descubro qualquer coisa muito interessante sobre ácido desoxirribonucleico.
Os meus poemas preferidos foram Principado Extinto, demasiado longo para colocar aqui, e o que deixo abaixo:
Two-lane blacktop
Aprenderei a amar as casas
quando entender que as casas
são feitas de gente
que foi feita por gente
e que contém em si a possibilidade
de fazer gente.
Pontuação: 3/5
Título: Anunciações
Autor: Maria Teresa Horta
Editora: Dom Quixote
Não sendo o género de poesia que estou habituada a ler, é mais do que evidente a qualidade presente ao longo deste romance escrito em verso, relatando sucessivos encontros entre Maria e o anjo Gabriel, sob uma perspectiva tremendamente interessante.
Anunciações está escrito de uma forma tão cuidada, bela e poética, que se torna impossível não nos envolvermos fortemente com a história que nos é contada e com a poesia de Maria Teresa Horta.
Espelho
Olho a ausência
da minha
imagem no espelho
no seu abismo perverso
O nada absoluto
onde a luz
é o excesso
Pontuação: 4/5